Resenha do livro “Arte contemporânea: uma introdução” de Anna Cauquelin.
Ed. Martins, 1ª Edição - 2005 - 170 pág.
Autor: Manoela dos Anjos Afonso - afonso_manoela@hotmail.com
Autor: Manoela dos Anjos Afonso - afonso_manoela@hotmail.com
“O que é arte?” é uma pergunta que poucos se
atreveram a responder. Para alguns ela é temida, para outros, irrelevante. Em
‘Arte contemporânea: uma introdução’, de Anne Cauquelin, é possível chegar
perto de uma resposta a essa questão impossível. A autora alicerça sua
construção teórica na história da arte ocidental a partir do final do século
XIX, com o objetivo de caminhar em direção a um entendimento da arte
contemporânea já em meados da segunda metade do século XX.
Para
organizar o seu pensamento Cauquelin dispõe o assunto didaticamente em dois
pólos: o da arte moderna (ligado a um regime do consumo) e o da arte
contemporânea (ligado a um regime da comunicação). Para confrontar tais pólos e
melhor analisar as características que definem cada um deles, a autora utiliza
o Sistema da Arte como pano de fundo dessa discussão. A
argumentação teórica dividida em ‘regimes da arte’ não só ajuda a visualizar
possíveis características determinantes da arte moderna e da arte
contemporânea, como também revela muito a respeito do funcionamento do Sistema
da Arte. À medida que Cauquelin relaciona arte e mercado, os lugares que cada
um dos componentes desse Sistema ocupa ficam mais evidentes, são confrontados e
revelam suas adaptações às modificações da estrutura econômica da sociedade.
Quem é o produtor de arte? Quem a comercializa? Quem a coleciona? Quem define o
que é ou não é arte? Quem a consome? É em meio a essas questões que Cauquelin
procura caracterizar a arte contemporânea e desvendar o meio em que ela
circula.
Ao abordar o
tema “regime do consumo”, Cauquelin associa ao termo ‘moderno’ o gosto pela
novidade, a recusa do passado, a posição ambivalente de uma arte ao mesmo tempo
efêmera e eterna. É nesse período e devido a tais características que a
Academia de arte se depara com o fim de sua hegemonia. Essa decadência é também
um fator resultante, em parte, das mudanças econômicas sofridas pela sociedade
no final do século XIX e da sua repercussão no campo da arte. É possível
estabelecer dois grandes motivos para a recusa à Academia: a manutenção que ela
dava à rigidez artística técnica e conceitual e a falta de adaptação ao novo
ritmo econômico industrial. A Academia foi, portanto, renegada pela
modernidade, mas o status que ela garantia aos artistas e às obras não era algo
a ser descartado. Sucesso, reconhecimento e dinheiro em giro sempre foram
fatores de interesse e, se a Academia não podia mais garanti-los, era preciso
haver outra instituição que o fizesse e que soubesse lidar com esse novo regime
do consumo. Tanto o artista quanto o consumidor pertencente às classes sociais
em ascensão, eram dependentes do reconhecimento acadêmico. A dependência de um
juízo de valor conferiu às novas instituições de arte um enorme poder de
legitimação: elas passaram cada vez mais a definir o que deveria ser aceito e o
que deveria ser refutado. Dessa forma, então, instaurou-se o Sistema de Arte
com todos os seus atores – marchands, críticos, curadores,
colecionadores, conservadores, museus, galerias – os quais, a princípio,
possuíam tarefas distintas.
Quando trata
do “regime da comunicação”, Cauquelin estabelece um esquema tripartite:
produção – distribuição – consumo: essa é a fórmula para se compreender o
mercado de bens materiais e simbólicos na modernidade. A virada da era industrial
para a era tecnológica resultou numa inevitável mistura de papéis: produtor,
distribuidor e consumidor não mais possuem atividades específicas. A lógica da
estrutura de consumo foi transformada aos poucos devido aos incrementos
tecnológicos que levaram à era da comunicação, sendo que outros profissionais
foram sendo agregados ao Sistema da Arte: os especialistas em geração,
apresentação e distribuição da informação. O regime da comunicação
proporcionará, então, mudanças significativas e irreversíveis na relação
homem-espaço-tempo-consumo e, consequentemente, na relação disso tudo com a
arte.
No mundo da
comunicação o produto de interesse é a informação. Dessa maneira, a lei que
rege a arte passa a ser a mesma que atua na emissão e distribuição da informação.
Aquele que dispõe dos meios para passá-la adiante é que será o produtor dentro
desse novo regime. Diferentemente do artista da modernidade, o atual produtor
lida com os signos – e com a especulação de seu valor - dentro da rede de
informação. A rede – com a conseqüente interação por ela proporcionada – é um
elemento de crucial importância para o funcionamento do Sistema da Arte dentro
desse novo regime: redes internacionais de artistas, galerias e instituições
culturais, interação entre mercados, entre outras estruturas, ligam-se
mundialmente graças às redes velozes de informação. “Essas transformações
alcançam o domínio artístico em dois pontos: no registro da maneira como a arte
circula, ou seja, no mercado (ou continente), e no registro intra-artístico (ou
conteúdos das obras)” (CAUQUELIN, 2005:65).
Nessa rede
complexa de comunicação, os atores mais ativos são os que possuem a maior
quantidade de informação e, de preferência, adquiridas no menor espaço de tempo
possível. Embora Cauquelin aponte alguns problemas – como a redundância e a
saturação – percebe-se que a rede tornou-se indispensável ao artista e à sua
obra. É condição fundamental que o artista contemporâneo seja projetado pela
rede, que ele esteja em vários lugares do mundo ao mesmo tempo, que aceite as
regras de renovação e individualização permanente propostas por esse novo
sistema de circulação da informação. “O artista tem de ser internacional, ou
não ser nada; ele está preso na rede ou permanece de fora” (CAUQUELIN,
2005:75). Mas o artista e sua obra precisam mais que apenas estar na rede; eles
têm que, através da nominação, conseguir se sobressair e vencer a saturação
provocada pela inevitável circularidade da informação. O paradoxo encontra-se
justamente nesse aspecto: a renovação constante é também uma repetição, uma
saturação da nominação (uma falência, por repetição, da solução de um problema)
e, quando explorada ao extremo, leva a obra e o artista a uma banalização, a
uma espetacularização praticamente sem volta.
Em meio à
transição de um regime ao outro, Cauquelin destaca o ‘embreante’: uma figura de
ruptura entre regimes. Os embreantes escolhidos pela autora são Marcel Duchamp,
Andy Warhol e Leo Castelli. Segundo a autora (2005:88), “esses três personagens
têm em comum o exercício de uma atividade que responde aos axiomas-chave do
regime de consumo”. Marcel Duchamp, com a sua posição de ‘antiartista’ e com a
criação dos ready-mades, esvaziou o conteúdo emocional e
intencional do artista e da obra. Formas, cores, visões, interpretações da
realidade, estilo, não interessam mais. O “fazer à mão” é abandonado e dá lugar
a um trabalho com signos, ou seja, Duchamp não oferece novas imagens, mas sim
propõe um exercício da arte num sistema de comunicação. Ao afirmar que qualquer
objeto pode ser arte, desde que num determinado momento, Duchamp fortalece o
poder da instituição de arte, pois a partir de então “o lugar de exposição
torna os objetos obras de arte. É ele que dá o valor estético de um objeto, por
menos estético que seja” (CAUQUELIN, 2005:94). O valor não está mais na obra em
si, mas no espaço-palco onde é mostrada. O artista não é mais aquele que cria e
executa; é apenas quem mostra, escolhe e utiliza o material, dando-lhe, segundo
Cauquelin (2005:97) um “coeficiente de arte”. Portanto, há um abandono da idéia
de vanguarda e da figura romântica do artista: “o jogo da arte consiste em
especular a respeito do valor da simples exposição de um objeto manufaturado”
(CAUQUELIN, 2005:100). Os jogos de linguagem e de construção da realidade ganham
importância. “Expor um objeto é intitulá-lo” (CAUQUELIN, 2005:101). Sendo
assim, a arte deixa de ser emoção para ser algo pensado.
Já Andy
Warhol é um exemplo de artista que tratou arte como negócio (business-art)
e soube usar muito bem a rede para a viabilização de sua empreitada. De
desenhista de publicidade e artista pop reconhecido, Warhol transformou-se num
empreendedor: via a arte articulada à sociedade e ao mundo dos negócios. Warhol
elegeu, enquanto proposta artística, os objetos de consumo para serem mostrados
e reproduzidos em larga escala. Sua fascinação por tais objetos era tão grande
que ele mesmo se transformou num deles: ‘Warhol fabricou o espaço’ era o
responsável por determinar o que era arte, Andy Warhol afirma que não é mais
esse espaço físico (museu, galeria) que define algo, mas sim, o espaço da
comunicação: a rede. O percurso desse artista, segundo a autora, ajuda a
vislumbrar uma definição de arte contemporânea: um “sistema de signos
circulando dentro de redes” (CAUQUELIN, 2005:120).
O terceiro
embreante, Leo Castelli, foi um galerista que, assim como Andy Warhol, usou a
rede para viabilizar seu negócio internacionalmente. Castelli se utilizou de
certos aspectos da rede de comunicação, dentre eles o domínio da ‘informação’,
para se tornar um profissional bem sucedido. Ao invés de estabelecer
concorrência, firmou acordos com outras instituições globo afora, documentou
todos esses procedimentos, criando uma imensa rede de relacionamento e de
informação. A sua fórmula foi garantir o sucesso global dos artistas
representados por sua galeria, pois, dessa forma, estaria garantindo também o
seu próprio sucesso, num processo cíclico de investidas bem sucedidas dentro de
uma concordância entre as principais instituições artísticas do mundo.
Após
a análise das principais ações e pensamentos desses embreantes, Cauquelin
procura identificar o eco que deixaram na arte atual. A autora constata que é
por fragmentos que as proposições dos embreantes são utilizadas hoje na arte.
Valores da arte moderna estão presentes na arte contemporânea; a mistura do
tradicional à novidade e o olhar para o passado caracterizam esse momento. Para
exemplificar essa relação entre valores da arte moderna na arte contemporânea,
a autora cita vários estados da arte atual, separando-os em três grupos. O
primeiro é composto pelos movimentos da arte conceitual, do minimalismo e
da land art, e tem influências de Marcel Duchamp. O segundo -
figuração livre, action painting e body art -
reage às proposições duchampianas. O terceiro, composto basicamente pela arte
tecnológica, ocupa-se da arte relacionada às tecnologias.
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